Bem Viver e Cultura

21 de fevereiro de 2023
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Marilena Chauí, artesã da palavra, nos orienta que a cultura passa a ser compreendida “como o campo no qual os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem práticas e valores, definem o possível e o impossível, o sentido da linha do tempo”(https//bibliotecavirtualclacso.org.br) e necessariamente identifica um povo. Assim, por exemplo, é fácil olhar para o passado e identificar um povo que viveu conquistado por outro povo ou sob escravidão por sua comida culturalmente referência, a exemplo de Paelha valenciana, portuguesa de natureza, cujo preparo pressupõe as mistura diversos frutos do mar e arroz e a feijoada, também resultante de restos do boi e outros animais como rabo e orelha de porco, ossos de boi, etc. A primeira resultante do longo período de invasão moura e o segundo do período do processo escravocrata no Brasil. A comida, portanto, diz de um traço cultural do povo e que se internaliza e ganha ressignificação com o passar do tempo. Cultura, portanto. Diz do viver de um povo, conta sua história, faz esse mesmo povo reconhecido perante outras culturas e permite a integração de diferentes culturas e traços.

O Carnaval, no seu recorte mais brasileiro, representa exatamente o que de melhor a cultura de povos africanos (e digo, diversas nações do Continente africano -Gege, Queto, Iorubá, Bantu, etc, etc, nem sempre recepcionado pacificamente pela estruturação que o país tem, hierarquizado estruturalmente, mas vocacionado a integração cultural. Nessa festa que possui a maior passarela do mundo, cenário de resistência, protesto, beleza, desfiles sob o ritmo de samba, a Bahia se destaca pelas imponentes manifestações culturais, que desfilam prodigiosamente entre trios, (invenção baiana) com melodias e ritmos que vão da música erudita (quem não se lembra de Baby Consuelo entoando em pleno carnaval a Ave Maria de Gounod?, vivendo pacificamente com o ritmo arrocha, hip hop, jazz, samba, ijexá (e haja ritmos)! Nesse cenário cultural é que se apresenta a história da Rainha Nzinga Mbandi, no desfile do Afoxé Filhos do Congo, como tema Nzinga Mbandi- Ancestralidade, Memória e realeza africana no Brasil.

Essa rainha nascida em 1582, foi a primeira governadora dos reinos de Matamba e Ncongo, que logrou apoio de outras lideranças masculinas da época, no continente africano, no enfrentamento do domínio português e combate ao processo escravocrata imposto. Nzinga ganhou repercussão por suas habilidades como guerreira, mas de forte traço diplomático, conseguindo manter a defesa dos seus reinos e dos vizinhos, pelo respeito que conquistou dos governadores portugueses. Conta-se que em visita ao rei de Portugal Nzinga não foi humilhada por sua capacidade de tomar atitudes rápidas. O rei, na reunião, sentado no seu altar, deixou Nzinga sem cadeira para que ficasse rebaixada e ela chamou uma guerreira da sua comitiva a fez de banco e em seguida a deixou no reino, fruto de uma estratégia de espionagem que funcionou muito bem para que a infiltrada tomasse conhecimento dos passos que seriam dados pelos invasores do continente africano. Muito se tem para aprender com a história de Nzinga e o desfile do Afoxé Filhos do Congo, ciente de sua função comunitária de resistência, educativa e de preservação cultural trará o tema para a maior passarela do mundo nos dias 19 e 21.02 (domingo e terça de carnaval).

Dois acontecimentos a serem destacados: representantes da agremiação do Congo, Lindinalva Silva e Nadinho do Congo, que foram declarados representantes no Brasil da Rainha Diambi Kabatusulia, descendente da Rainha Nzinga Mbandi,  iniciarão as homenagens que ocorrerão durante todo o primeiro semestre, no mundo todo, pelas diásporas africanas e terão culminância em julho de 2023, em Angola. Além disso, o Afoxé Filhos do Congo lançará em plena avenida a sua grife AFROCONGO e demarcará com a moda durante todo ano, o que já consagrou com trajes que podem ser usados por seus foliões em ambiente de trabalho ou lazer. Mais uma estratégia para preservar cultura, educar a geração presente, com a memória ancestral de uma realeza presente no nosso dia a dia.

Vamos à história, aliás vamos à cultura, melhor vamos ao Carnaval 2023.

Eu sou Cléia Costa, advogada, pesquisadora, componente da Associação Recreativa Afoxé Filhos do Congo, descendente da Rainha Nzinga, realeza viva, que conta  memória ancestral.